quinta-feira, 11 de maio de 2017

GANHAR ALMAS VOCÊ SABE?



QUE É CONQUISTAR UMA ALMA?

“Ser cristão não é conquistar Cristo, mas deixar-se conquistar por Ele. Deixa que Ele conquiste em ti, que Ele conquiste para ti, que Ele te conquiste.”
Santo Agostinho
 Porque o Filho do homem veio salvar o que se tinha perdido. Que vos parece? Se algum homem tiver cem ovelhas, e uma delas se desgarrar, não irá pelos montes, deixando as noventa e nove, em busca da que se desgarrou? E, se porventura achá-la, em verdade vos digo que maior prazer tem por aquela do que pelas noventa e nove que se não desgarraram. Assim, também, não é vontade de vosso Pai, que está nos céus, que um destes pequeninos se perca. Mateus 18:11-14  

O artigo que apresento agora trás uma grande pergunta que até mesmo os que lidam com a missão de evangelizar, ainda não tem uma resposta consensual. Até os mais experimentados nesta missão, fazem esta pergunta até hoje. Sou eu um conquistador de almas? Por vezes ficamos preocupados do como fazer, mas não temos noção por onde começar.  O que adianta declararmos amor por MISSÕES, escutamos isto praticamente todos os dias, amor pela obra EVANGELÍSTICA, diz se arder no coração, sendo que sequer não sabemos recepcionar as ovelhas que chegam do mundo em nossas igrejas“ 

Amados irmãos, desejo, se Deus me capacitar para isto, ministrar-lhes um breve curso de preleções sob o titulo geral de "O Conquistador de Almas". Ganhar almas é a principal ocupação do ministro cristão. Na verdade, deveria ser a principal atividade de todo crente verdadeiro, Cada um de nós deveria dizer como Simão Pedro:."Vou pescar"; e como acontecia com Paulo, nosso alvo deveria ser: "Para por todos os meios chegar a salvar alguns".
Começaremos nossas preleções sobre este assunto fazendo considerações em torno da pergunta: Que é conquistar uma alma?
Uma forma instrutiva de responder é descrever o que não é.
Não consideramos como ganhar almas roubar membros de outras igrejas estabelecidas, e ensinar-lhes nosso Shiboleth peculiar, isto é, as coisas que caracterizam nossa igreja ou denominação. Nosso objetivo é levar almas a Cristo, antes que conseguir adeptos para a nossa igreja.
Não faltam ladrões de ovelhas. Deles nada direi, exceto que não são "irmãos" ou, pelo menos, não agem de maneira fraternal. À juízo do seu Mestre, permanecem ou caem. Achamos que é suma baixeza construir uma casa com os escombros das mansões de nossos vizinhos. Preferimos mil vezes extrair nós mesmos as pedras da pedreira, Espero que todos partilhemos do espírito magnânimo do Dr. Chalmers que, quando se disse que tais e tais esforços não seriam benéficos para os interesses particulares da Igreja Livre da Escócia, embora pudessem favorecer o desenvolvimento da religião em geral no país, respondeu: "Que é a Igreja Livre comparada com os benefícios do cristianismo ao povo escocês?" Na verdade, o que é qualquer igreja, ou o que são todas as igrejas juntas, como simples organizações, se estão em conflito com o proveito moral e espiritual à nação, ou se põem empecilho ao reino de Cristo?
Desejamos ver as igreja prosperarem Porque Deus abençoa os homens por meio delas, e não por causa das igrejas em si, Há uma espécie de egoísmo em nossa avidez pelo engrandecimento do nosso grupo. A graça de Deus nos livre deste mau espírito! O crescimento do Reino é mais desejável do que o aumento de um clã sectário. Haveríamos de empenhar-nos quanto possível para fazer de um irmão pedobatista um batista, pois damos valor às ordenanças de nosso Senhor. Faríamos grande esforço para que um crente na salvação pelo livre arbítrio viesse a tornar-se crente na salvação pela graça, porque é nosso anelo ver todos os ensinamentos religiosos edificados sobre a sólida rocha da verdade, e não sobre a areia da imaginação. Mas, ao mesmo tempo, o nosso grande objetivo não é a revisão de opiniões; mas, sim, a regeneração da natureza das pessoas,.
Queremos levar os homens a Cristo, e não aos nossas conceitos particulares do cristianismo. Nosso primeiro cuidado é no sentido de que as ovelhas se reúnam com o grande Pastor. Haverá tempo depois para mente-las seguras em nossos apriscos diversos. Fazer prosélitos é um bom trabalho para fariseus: levar almas para Deus é o honroso propósito dos ministros de Cristo.
Em segundo lugar, não achamos que conquistar almas consista em inscrever apressadamente mais nomes no rol de membros da igreja, para exibir bom aumento no fim do ano. Isto é fácil fazer, e há irmãos que se afanam com árduo esforço, para não dizer com arte, para consegui-lo. Mas, se se considera isso como o alfa e o ômega dos esforços do ' ministro, o resultado será deplorável, Certamente trataremos de introduzir genuínos conversos na igreja, pois faz parte do nosso trabalho ensiná-los a observar todas as coisas que Cristo lhes ordenou. Isto, porém, deve ser feito aos discípulos, e não aos que somente se dizem cristãos. E se não tomarmos cuidado, poderemos causar mais prejuízos que benefícios neste ponto. Colocar dentro da igreja pessoas rido convertidas, é enfraquecê-la e degradá-la. Daí, o que parece lucra pode ser perda, Não me incluo entre os que desacreditam as estatísticas, nem considero que elas produzem toda a classe de inales; pois são muito benéficas, se são precisas, e se os homens as manipulam legitimamente,
É bom que as pessoas vejam a nudez da terra mediante a demonstração estatística da queda da produção, para que se ajoelhem diante do Senhor rogando-lhe prosperidade. Por outro lado, não faz mal nenhum que os obreiros se animem tendo diante de si algum relato dos resultados, Eu lamentaria muito se a prática de somar, diminuir e obter o resultado líquido fosse abandonada, porque sem dúvida está bem que conheçamos nossa situação numérica. Já se observou que aqueles que se opõem a este modo de agir são muitas vezes irmãos cujos relatórios insatisfatórios deveriam humilhá-los um tanto. Não é sempre este o caso, mas é o que acontece com suspeitosa freqüência. Outro dia ouvi falar do relatório de uma igreja no qual o ministro, bem conhecido por haver reduzido a nada a sua comunidade local, escreveu com certa esperteza:
"Nossa igreja está dirigindo os olhos para o alto". Quando lhe perguntaram que significava essa afirmação, respondeu: "Toda gente sabe que a igreja está caída de costas, e não pode fazer outra coisa senão olhar para cima". Quando as igrejas estão olhando para o alto desse jeito, seus pastores geralmente dizem que as estatísticas são muito enganosas, e que não se pode pôr num gráfico a obra do Espírito e calcular numericamente o progresso de uma igreja. O fato é que se pode calcular com exatidão, se os algarismos são verdadeiros e se se tomam em consideração todas as circunstâncias. Se não há crescimento, pode-se calcular com considerável precisão que não se tem feito muita coisa; e se há evidente decréscimo em meio a uma população que cresce, pode-se julgar que as orações do rebanho e a pregação do ministro não são das que têm muito poder.
Entretanto, ainda assim, toda pressa em introduzir membros na igreja é sumamente nociva, tanto para a igreja como para os supostos convertidos. Lembro-me muito bem de vários jovens que eram de com caráter e que inspiravam esperança quanto à religião. Todavia, em vez de sondar-lhes o coração e de visar à sua conversão real, o pastor não lhes deu descanso enquanto não os persuadiu a professarem a fé. Achava que estariam mais ligados às coisa santas se se professassem religiosos, e se sentia seguro ao pressioná-los, pois "prometiam tanto!" Imaginava que se os desanimasse com exame cuidadoso, poderia afugentá-los e, assim, querendo segurá-los, fê-los hipócritas. Aqueles jovens estão hoje muito mais longe da igreja de Deus do que estariam se tivessem sofrido a afronta de ser mantidos no lugar que lhes cabia e se tivessem sido advertidos de que não se haviam convertido a Deus.
Causa grave dano a uma pessoa incluí-la no número dos fiéis, a menos que haja boa razão para crer que se trata de uma pessoa realmente regenerada. Estou certo disso, pois falo depois de cuidadosa observação. Alguns dos mais notórios pecadores que conheci tinham sido outrora membros de igreja, E, segundo creio, foram levados a professar a fé com indevida pressa, bem intencionada, ruas com falso critério. Portanto, não pensem que a conquista de almas é alcançada ou obtida através aa multiplicação de batismos e do aumento do número de membros aa sua igreja. Que significam estes despachos vindos do campo de batalha? "Ontem á noite, 14 almas foram levadas à convicção, 15 foram justificadas e 8 foram plenamente santificadas". Estou farto desta ostentação pública, dessa mania de contar os pintinhos que ainda não saíram do ovo, dessa exibição de troféus duvidosos, Ponham de lado essa contagem de cabeças, essa inútil pretensão de atestar em meio minuto aquilo que requer a prova de uma vida inteira. Sejam otimistas, mas moderem o seu entusiasmo exagerado, A sessão de aconselhamento aos que se decidem é coisa boa. Mas, se isto leva a vãs jactâncias, entristecerá o Espírito Santo e acarretará grandes males.
Tampouco, caros amigos, conquistar almas é provocar as emoções. É certo que a exaltação emocional acompanhará a todo movimento grandioso. Seria justo pôr em dúvida que um movimento é cheio de ardor e de poder se se iguala a uma serena leitura da Bilha na sala de visitas. Não se pode dinamitar grandes rochas sem o barulho das explosões, nem travar uma batalha mantendo toda mente em silêncio como um ratinho, Em dia seco, um veículo não avança muito na estrada de terra sem produzir algum ruído e poeira; fricção e atividade são o resultado da força em movimento. Assina também, quando o Espírito de Deus intervém e a mente dos homens se comove, inevitavelmente haverá certos sinais visíveis de Sua ação, embora estes sinais nunca se devam confundir com a ação propriamente dita, Se alguns imaginam que o objetivo visado pelo veículo em movimento é levantar poeira, peguem vassouras, pois, com elas, poderão levantar tanta poeira como cinqüenta carros, Só que vão causar amolação em vez de beneficio. Assim a emoção é incidental, como a poeira, e nem se deve pensar nela como um objetivo. Quando a Mulher da parábola varreu a casa, fez isso para achar seu dinheiro, e não para levantar uma nuvem de pó.
Não procurem sensação, nem "produzir eleito". Lágrimas a correr, olhos chorosos, soluças e clamores, tumulto e todos os tipos de confusão podem ocorrer, e talvez se possam tolerar como um acompanhamento dos sentimentos genuínos; mas, por favor, não planejem produzi-los. Acontece com muita freqüência que os convertidos que nascem durante a emoção, morrem quando a emoção passa. São como certos insetos que surgem num dia muito quente e morrem quando o sol se põe. Certos conversos vivem como salamandras, em meio ao fogo; mas expiram a uma temperatura normal. Não me agrada a religião que precisa de gente exaltada ou que a produz, Dêem-me uma religiosidade que floresce no monte do Calvário, e não no vulcão Vesúvio. O maior zelo por Cristo condiz com o senso comum e com a razão, Desvarios, gritos e fanatismo são produtos de outro tipo de zelo, que não se harmoniza com a inteligência. Nosso alvo é preparar homens para o cenáculo da comunhão, e não para a câmara acolchoada do manicômio de Bedlam ou de onde for. Ninguém fica mais triste que eu, por ser necessária esta advertência. Mas ao lembrar-me das extravagâncias de certos avivalistas fogosos, não posso dizer menos, e bem que poderia dizer muito mais do que disse.
Então, que é realmente ganhar uma alma para Deus? Na medida em que isto é feito com o emprego de meios, quais são os processos pelos quais uma alma é conduzida a Deus e à salvação?
Tenho para mim que um dos principais meios consiste em instruir o homem de modo que conheça a verdade de Deus. A instrução comunicada pelo Evangelho é o início de toda obra verdadeira realizada na mente dos homens. "Portanto ide, ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-as a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado; e eis que estou convosco todos os dias, até à consumação dos séculos," O ensino começa a obra, e também a coroa.
Conforme Isaías, o Evangelho é: "Inclinai os vossos ouvidos, e vinde a mim; ouvi, e a vossa alma viverá" Cabe-nos, pois, dar aos homens algo digno de sua atenção; com efeito, cabe-nos instruí-los. Somos enviados para evangelizar, ou para pregar o Evangelho a toda a criatura; e isto não será realizado, a não ser que ensinemos aos homens as grandes verdades da revelação. O Evangelho é boa notícia, boas novas.
Ao ouvir alguns pregadores, tem-se a impressão de que o Evangelho é uma pitada de rapé sagrado para fazê-los acordar, ou uma garrafa de bebida alcoólica para excitar-lhes a mente. Não é nada disso. É notícia. Há informação nele, ele contém instrução relativa a coisas que os homens precisam saber, e contém afirmações destinadas a dar bênçãos aos que lhes derem ouvidos. Não é um encantamento mágico, nem um feitiço cujo poder consiste numa série de ruídos; é a revelação de fatos e verdades que exigem conhecimento e fé. O Evangelho é um sistema racional que apela para o entendimento dos homens; é matéria para pensar e considerar, e apela para a consciência e para a faculdade de reflexo.
Dai, se não ensinarmos alguma coisa aos homens, ainda que gritemos: "Creiam! Creiam! Creiam!", não terão nada em que crer. Cada exortação requer uma instrução correspondente, ou do contrário não terá sentido. "Fujam!" De que? A resposta a esta pergunta é a doutrina da punição imposta ao pecado. 'Corram!" Mas, para onde? É preciso aqui pregar a Cristo e Suas feridas; sim, e que se exponha a límpida doutrina da expiação mediante o sacrifício. "Arrependam-se!" De que? Aqui é necessário responder a perguntas como estas: Que é pecado? Qual é o mal do pecado? Quais são as conseqüências do pecado? "Convertam-se!" Mas, que é converter-se? Que força pode converter-nos? De que? A que? O campo de ensinamentos a ministrar é amplo, se se quer que os homens conheçam a verdade que salva. "Ficar a alma sem conhecimento não é bom", e a nós compete, como instrumentos de Deus, fazer que os homens conheçam a verdade de tal modo que creiam nela e sintam o seu poder. Não temos que tentar no escuro salvar os homens, mas no poder do Espírito Santo devemos procurar que se convertam das trevas à luz.
E não creiam, caros amigos, que quando participarem de reuniões de avivamento, ou de campanhas de evangelização, deverão deixar de lado as doutrinas do Evangelho; pois é quando mais (e não menos) deverão proclamar as doutrinas da graça. Ensinem as doutrinas do Evangelho com clareza, amor, simplicidade e franqueza, particularmente aquelas verdades que, num sentido prático e atual, apóiam-se na condição do homem e na graça de Deus. Alguns entusiastas parecem ter absorvido a noção de que, quando um ministro se dirige aos não-convertidos, deve deliberadamente contradizer os seus costumeiros discursos doutrinários, porque se supõe que não haverá conversões se ele pregar todo o conselho de Deus.
A conclusão é, irmãos, que se supõe que devemos encobrir a verdade e proclamar algo meio falso a fim de poder salvar almas. Quer dizer que ao povo de Deus devemos falar a verdade, porque não aceitará ouvir outra coisa, mas devemos seduzir os pecadores à fé exagerando uma parte da verdade e ocultando o restante até ocasião mais propícia. É uma teoria estranha e, não obstante, muitos a endossam. Segundo eles, podemos apregoar ao povo de Deus a redenção de um grupo escolhido, mas nossa doutrina para os do mundo deve ser a da redenção universal. Devemos dizer aos crentes que a salvação é totalmente pela graça, mas aos pecadores devemos falar como se eles pudessem operar sua própria salvação. Devemos informar os cristãos de que somente Deus o Espírito Santo pode converter os homens, mas quando falamos com os não salvos, mal se deve mencionar o Espírito. Não foi isso que aprendemos de Cristo. Outros têm agido assim. Que eles nos sirvam de sinais de alerta, não  de exemplos. Aquele que nos envia com a Missão de ganhar almas não nos permite inventar falsidades, nem suprimir a verdade. Sua obra pode ser realizada sem esses métodos suspeitos.
 Talvez alguns de vocês repliquem: "Entretanto, Deus tem abençoado declarações semi-verdadeiras e afirmações extravagantes". Não estejam muito seguros disto. Aventuro-me a afirmar que Deus não abençoa a falsidade. Talvez abençoe a verdade que se apresenta de mistura com erros. Porém muito maior bênção viria, se a pregação estivesse mais de acordo com a Sua Palavra. Não posso admitir que o Senhor abençoe uma espécie de jesuitismo evangelístico, e esta expressão ainda é fraca para qualificar a supressão da verdade. A omissão da doutrina da depravação total do ser humano tem feito grande mal a muitos que ouviram certa espécie de pregação. Essas pessoas não conseguem cura verdadeira porque não sabem de que doença padecem. Nunca estão realmente vestidas porque ninguém põe à mostra a nudez em que se acham.
Muitos ministros não sondam os corações nem despertam as consciências, pois não levam os homens a verem como estão afastados de Deus, e quão egoísta e perversa é a condição deles. É preciso dizer aos homens que, se a graça divina os não tirar da sua inimizade para com Deus, perece, tão eternamente. E é necessário fazê-los lembrar-se da soberania de Deus, de que Ele não é obrigado a tirá-los dessa situação, de que Ele andaria certo e seria justo se os deixasse nessa condição, de que não possuem mérito algum que possam alegar diante dEle, e de que não podem apresentar-Lhe reivindicação nenhuma. Mas sim que, se hão de ser salvos, tem que ser pela graça, e somente pela graça. O que ao pregador compete fazer é lançar os pecadores ao mais completo desamparo, para que sejam obrigados a buscar socorro junto ao Único que lhes pode valer.
Procurar conquistar uma alma para Cristo, mantendo-a na ignorância de alguma verdade, é contrário à mente do Espírito. E esforçar-se para salvar os homens mediante puras artimanhas persuasórias, ou atiçando as emoções, ou exibindo oratória pomposa, é coisa tão estulta com esperar pegar um anjo com visgo ou cativar uma estrela do firmamento com música. A melhor atração é o Evangelho em sua pureza. A arma empregada por Deus para conquistar os homens é a verdade como esta é em Jesus. O Evangelho é sempre eficiente, face a toda e qualquer necessidade: é flecha que pode transpassar o mais duro coração; é bálsamo que cura a mais mortal ferida. Preguem-no, e não preguem mais nada. Confiem pura e simplesmente no Evangelho, no antigo Evangelho. Para pescar homens, não precisarão de outras redes. As que o seu Mestre lhes deu são tão fortes que podem reter grandes peixes, e têm tralhas suficientemente fluas para prender peixes pequenos. Lancem estas redes, e não outras, e não precisarão temer pelo cumprimento de Sua Palavra : "Eu vos farei pescadores de homens''.
Em segundo lugar, para conquistar uma alma é necessário, não somente instruir o nosso ouvinte e fazê-lo conhecer a verdade, mas também impressioná-lo de modo que a sinta. Um ministério puramente didático, dirigido sempre ao intelecto, e deixando intactas as emoções, certamente seria um ministério coxo. "As pernas do coxo não são iguais" (ou "pendem frouxas"), diz Salomão. E as pernas desiguais de alguns ministérios os invalidam. Já vimos um ministério coxo assim, com uma perna doutrinaria comprida, e uma perna emocional curta. É horrível que um homem seja tão doutrinário que possa falar com frieza da ruína dos ímpios de modo tal que, embora não chegue a louvar a Deus por isso, não lhe causa pena alguma pensar na perdição de milhões dos seus semelhantes. É horrível!
Detesto ouvir os terrores do Senhor proclamados por homens cujos semblantes de pedra, cuja tonalidade rígida e cujo espírito insensível revelam uma espécie de dissecação doutrinária; todo o leite da bondade humana evaporou-se deles. Não tendo sentimento nenhum, esse tipo de pregador não produz nenhum sentimento, e as pessoas se assentam e escutam enquanto ele faz declarações secas e estéreis, apreciando-o por ser "rijo" – e elas acabam ficando rijas também; e nem preciso acrescentar que ficam "rijas" no sono. Ou, se conservam alguma vida, passam-na farejando heresias, e transformando homens corretos em ofensores por uma palavra infeliz. Oxalá jamais sejamos balizados neste espírito! Seja qual for a minha crença ou descrença, o mandamento que me ordena amar ao meu próximo como a ruim mesmo ainda mantém os seus direitos sobre mim. E Deus não permita que quaisquer idéias ou opiniões pessoais façam encolher tanto a minha alma, e endureçam o meu coração a ponto de me fazer esquecer esta lei de amor! O amor a Deus vem em primeiro lugar, mas isto de modo nenhum enfraquece a obrigação de amar o próximo. Na verdade, o primeiro mandamento inclui o segundo. Devemos procurar a conversão do nosso próximo porque o amamos, e temos de falar-lhe amavelmente do Evangelho de amor, porque o nosso coração deseja o seu bem-estar eterno.
O pecador tem coração bem como cabeça; emoções bem como pensamentos. Precisamos dirigir-nos a ambos. O pecador não se converterá enquanto suas emoções não forem estimuladas. A menos que sinta tristeza por seu pecado e sinta alguma alegria ao receber a Palavra, não se pode esperar muito dele. É preciso que a verdade inunde a alma e a tinja, dando-lhe sua própria cor. A Palavra deve ser como um forte vento a passar impetuosamente pelo colação, fazendo vibrar o homem todo, como ondula o trigal maduro à brisa estival. Religião sem emoção é religião sem vida.
Todavia, precisamos considerar como essas emoções são produzidas, Não brinquem com a mente provocando sentimentos não espirituais. Alguns pregadores gostam de introduzir em seus discursos funerais crianças que estão morrendo, e assim fazem o povo chorar, movido pela simples afeição natural. Isso pode levar a algo melhor, mas em si mesmo, que valor tem? Que benefício há em despertar as aflições de uma mãe, ou as tristezas de uma viúva? Não creio que o nosso misericordioso Deus nos tenha enviado para fazer os homens chorarem por seus finados parentes, tornando a cavar os seus túmulos e trazendo-lhes á memória as cenas de luto e dor. Por que o faria? Por certo se pode empregar proveitosamente o leito de morte de um cristão que partiu, ou de um pecador agonizante, como prova da paz que provem da fé, num caso, e do terror da consciência, no outro. Mas, o beneficio deve resultar do fato comprovado, e não da frustração em si.
Em si mesma, a aflição natural não presta ajuda nenhuma. Na verdade a vemos como uma forma de distrair a mente, afastando-a de pensamentos mais elevados e como um preço demasiado alto para cobrar de corações compassivos, a menos que possamos recompensá-los causando-lhes impressões espirituais duradouras sobre a estrutura dos seus sentimentos naturais. "Foi um discurso esplêndido, repassado de sentimento", disse um dos ouvintes da pregação. Muito bem, mas qual a conseqüência prática desse sentimento?
Um jovem pregador certa vez observou: "Você não ficou impressionado ao ver chorando uma tão numerosa congregação?" "Sim", disse o seu judicioso amigo, "mas fiquei mais impressionado ainda com a reflexão de que provavelmente os ouvintes teriam chorado mais no teatro". Isso mesmo. E nos dois casos, o choro pode ser igualmente sem valor. Uma vez vi uma jovem a bordo de um vapor lendo um livro e chorando como se tivesse o coração partido. Mas, quando olhei o volume, vi que não passava de um desses tolos romances ridículos que enchem as bancas de nossas estações ferroviárias. Seu pranto era apenas um desperdício de lágrimas, como o é o choro provocado pelas estórias e pelas cenas de leitos de morte apresentadas do púlpito.
Se os nossos ouvintes chorarem por seus pecados, e por Jesus, deixem que suas lágrimas jorrem como rios. Mas se o objeto do seu pesar é apenas natural, e de modo nenhum espiritual, que bem se faz levando-os a chorar? Poderá haver alguma vantagem em alegrar o povo porque existe bastante tristeza no mundo, e quanto mais alegria pudermos suscitar, melhor será. Mas, que utilidade há em criar aflições desnecessárias? Que direito temos de ir pelo mundo lancetando toda gente, só para exibir-nos como cirurgiões capazes? Um verdadeiro médico só faz incisões com o fim de realizar curas, e um ministro sábio somente provocará penosas emoções nas mentes dos homens com o definido propósito de abençoar as suas almas. Nós temos que continuar atacando os corações humanos até quebrantá-los, para prosseguir depois pregando a Cristo crucificado até que esses corações sejam restaurados. Feito isso, temos que continuar a proclamar o Evangelho até que todo o seu ser se submeta ao Evangelho de Cristo. Mesmo nesses passos preliminares hão de sentir a necessidade de que o Espírito Santo aja com vocês e por vocês. Mas esta necessidade se tomará mais evidente ainda, quando avançarmos mais um passo e falarmos do novo nascimento, no qual o Espírito Santo realiza Sua obra singularmente divina.
Insisti em que ministrar instrução e causar impressão são coisas sumamente necessárias para a conquista de almas. Mas isso não é tudo. Na verdade, são apenas meios para se alcançar o fim almejado. Para que um homem seja salvo. é preciso realizar uma obra muito maior. Uma maravilha da graça divina terá que operar na alma, maravilha que transcende em muito tudo quanto o poder humano é capaz de realizar. De todos aqueles que desejamos ganhar para Jesus, pode-se dizer com verdade que "aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus". É preciso que o Espírito Santo opere a regeneração naqueles que amamos, ou jamais se tornarão possuidores da felicidade eterna. É preciso que sejam vivificados vara uma nova vida, e que venham a ser novas criaturas em Cristo Jesus. A mesma energia que realiza a ressurreição e a criação tem de pôr em ação toda a sua força neles; nada menos que uso resolve o caso. Têm de nascer de novo, do Alto.
À primeira vista, parece que isto anula completamente a instrumentalidade humana. Mas, ao virar as páginas da Escritura, não encontramos nada que justifique essa inferência, mas, sim, muita coisa que favorece a tendência inteiramente oposta. Certamente vemos nela que o Senhor é tudo em todos, mas não achamos nenhuma insinuação de que por isso se deva dispensar o uso de meios. A majestade e o poder supremos do Senhor se nos apresentam muitíssimo gloriosos porque Ele age utilizando meios. Ele é tão grandioso, que não tem medo de revestir de honra os instrumentos que emprega, falando deles em termos elevados e atribuindo-lhes grande influência. É lamentavelmente possível falar pouco demais do Espírito Santo. Na verdade, temo que este seja um dos clamorosos pecados desta época. Mas, a Palavra infalível, que sempre estabelece carreto equilíbrio da verdade, conquanto engrandeça o Espírito Santo, não fala ligeiramente dos homens em favor dos quais Ele age. Deus não considera Sua honra tão questionável que só possa ser mantida rebaixando o agente humano.
Há duas passagens nas Epistolas que, quando examinadas juntas, muitas vezes me causaram espanto. Paulo se compara a si próprio tanto com um pai como com uma mãe na questão do novo nascimento. De um converso ele diz: "Que gerei nas minhas prisões"; e de toda uma igreja diz: "Meus filhinhos, por quem de novo sinto as dores de parto, até que Cristo seja formado em vós". Isto é ir muito longe. De fato, muito mais longe do que a ortodoxia moderna permitiria ao mais benéfico ministro aventurar-se a ir. Entretanto, é linguagem sancionada, sim, ditada pelo próprio Espírito de Deus e, portanto, não deve ser criticada. Deus infunde tão misterioso poder na instrumentalidade humana, que ordena que sejamos chamados "cooperadores de Deus". E isto é ao mesmo tempo a fonte de nossa responsabilidade e a base da nossa esperança.
A regeneração, ou novo nascimento, opera uma mudança em toda a natureza do homem e, tanto quanto podemos julgar, sua essência jaz na criação e no implante de um novo princípio no interior do ser humano. O Espírito Santo cria em nós uma nova natureza, celeste e imortal, conhecida na Escritura pelo nome de "espírito", para distingui-lo da alma. Nossa teoria da regeneração é a de que o homem, em sua natureza decorria, consiste somente de corpo e alma, e que ao ser regenerado, é criada nele uma nova e superior natureza – "o espírito" – que é uma centelha do fogo eterno da vida e do amor de Deus. Isto penetra o coração, habita ali, e faz daquele que o recebe um participante "da natureza divina". Daí em diante, o homem consiste de três partes: corpo, alma e espírito, e o espírito é dos três o poder dominante.
Todos vocês hão de lembrar-se daquele memorável capítulo que trata da ressurreição, I Coríntios 15, onde a distinção transparece nitidamente no original grego e pode mesmo ser percebida em nossa versão. A passagem traduzida: "Semeia-se corpo animal" (AV: "corpo natural"), etc., poderia ser traduzida: "Semeia-se um corpo anímico, ressuscitará corpo espiritual. Se há corpo anímico, há também corpo espiritual. Assim está também escrito: O primeiro homem, Adão, foi feito em alma vivente; o último Adão em espírito vivificante. Mas não é primeiro o espiritual, senão o anímico; depois o espiritual." Primeiro estamos no estágio natural ou anímico ao ser, como o primeiro Adão. Depois, na regeneração, entramos numa nova condição, e nos tomamos possuidores do "espírito" que dá vida. Sem este espírito, nenhum homem pode ver ou entrar no reino do céu. Portanto, deve ser nosso intenso desejo que o Espírito Santo visite os nossos ouvintes e os crie de novo – que desça sobre esses ossos secos, e sopre a vida eterna naqueles que estão mortos no pecado. Enquanto não é feito isso, eles não serão capazes de receber a verdade, pois "o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus,  porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente". "Porquanto a inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser".
Uma nova e celeste mente terá que ser criada pela onipotência, ou o homem terá que permanecer na morte. Vocês vêem, pois, que temos diante de nós uma obra imensa para a qual somos totalmente incapazes, por nós mesmos. Ministro algum pode salvar uma alma. Nem todos nós juntos, nem todos os santos da terra e do céu, podemos operar a regeneração em uma só pessoa que seja. Toda a nossa atividade é o cúmulo do absurdo, a menos que nos consideremos usados pelo Espírito Santo e que Ele nos encha do Seu poder. Por outro lado, as maravilhas da regeneração ocorridas em nosso ministério são os melhores selos e testemunhos da nossa comissão. Ao passo que os apóstolos podiam apelar para os milagres de Cristo e para os que eles realizavam em nome de Cristo, apelamos para os milagres do Espírito Santo, que são tão divinos e reais como os do próprio Senhor Jesus. Estes milagres são a criação de uma nova vida no íntimo do ser humano, e a transformação total daqueles sobre os quais o Espírito desce.
Como esta vida espiritual gerada por Deus nos homens é um mistério, falaremos de modo mais efetivamente prático se nos demorarmos nos sinais que a seguem e acompanham, pois estes são as coisas a que devemos virar. Primeiro, a regeneração se demonstra na convicção de pecado. Cremos que esta é uma indispensável marca da obra do Espírito. Quando a nova vida penetra o coração, causa intenso pesar no íntimo como um dos seus primeiros efeitos. Embora hoje em dia ouçamos falar de pessoas que do curadas antes de terem sido feridas, e que são levadas à certeza da justificação sem jamais terem lamentado a sua condenação, temos muitas dúvidas quanto ao valor dessas curas e justificações. Este estilo de coisas não está de acordo com a verdade. Deus nunca veste os homens antes de desnudá-los, nem os vivifica pelo Evangelho antes de serem eles mortos pela lei primeiro. Quando encontrarem pessoas em quem não há traço de convicção de pecado, estejam absolutamente certos de que elas não foram trabalhadas pelo Espírito Santo; pois, "quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, e da justiça e do juízo". Quando o Espírito do Senhor sopra sobre nós, Ele faz definhar toda a glória do homem, que é apenas como a flor da erva, e depois revela uma glória mais alta e duradoura. Não se espantem se virem esta convicção de pecado assumir forma muito aguda e alarmante. Por outro lado, porém, não condenem aqueles em quem ela é menos intensa, pois desde que o pecado é lamentado, confessado, abandonado e odiado, vocês têm aí um evidente fruto do Espírito. Grande parte do horror e da incredulidade que acompanham a convicção, não procede do Espírito de Deus, mas vem de Satanás ou da natureza corrupta. Contudo, é preciso haver uma verdadeira e profunda convicção de pecado, e o pregador deve empenhar-se em produzi-la; pois onde não ocorre esta convicção, não houve o novo nascimento.
Também é certo que a verdadeira conversão manifesta fé singela em Jesus Cristo. Vocês não têm necessidade de que eu lhes fale disto, pois estão plenamente persuadidos desta verdade. Produzir fé é o próprio centro do alvo que vocês miram. Não terão prova de que conquistaram uma alma para Jesus enquanto o pecador não tiver posto de lado a si próprio e aos seus méritos pessoais, unindo-se a Cristo. É preciso tomar muito cuidado para que esta fé em Cristo seja exercida para uma salvação completa, e não para uma parte dela apenas. Numerosas pessoas aceitam que o senhor Jesus pode perdoar os pecados passados, mas não confiam nEle para a sua preservação no futuro. Confiam quanto aos anos passados, mas não quanto aos anos futuros. Entretanto, nada se diz na Escritura sobre tal divisão da salvação quanto à obra de Cristo. Ou Ele levou todos os nossos pecados, ou não levou nenhum; e, ou nos salva de uma vez por todas, ou não nos salva de modo nenhum. Sua morte não poderá repetir-se jamais, e deveras foi feita a expiação pelos pecados futuros dos crentes, ou do contrário eles estão perdidos, já que não se pode nem pensar num outro sacrifício expiatório, e já que certamente os crentes cometerão pecados no futuro. Bendito seja o Seu nome, pois, "por Ele todo aquele que crê é justificado de todas as coisas". A salvação pela graça é salvação eterna. Os pecadores têm de deixar suas almas aos cuidados de Cristo por toda a eternidade. De que outro modo seriam salvos?
Com pesar dizemos, porém, que segundo os ensinamentos de alguns, os que crêem são salvos somente em parte, e quanto ao restante deverão depender dos seus esforços futuros. O Evangelho é isto? Creio que não. A verdadeira fé confia num Cristo completo para uma salvação completa. É de estranhar que muitos conversos se extraviem quando, na verdade, nunca lhes ensinaram a ter fé em Jesus para a salvação eterna, mas, sim, apenas para uma conversão temporária? Uma deficiente apresentação de Cristo gera uma fé deficiente; e quando esta fenece em seu próprio raquitismo, de quem é a culpa? O que lhes sucede corresponde à medida da sua fé. O pregador de uma fé parcial e aquele que a professa são igualmente culpados do fracasso, quando essa pobre e mutilada confiança cai em bancarrota. Gostaria de insistir com toda a seriedade neste ponto, porque é muito comum essa forma de crença meio legalista. Devemos instar com o vacilante pecador para que confie total e exclusivamente no Senhor Jesus Cristo para sempre. Do contrário o levaremos a inferir que deverá começar no Espírito e aperfeiçoar-se mediante a carne; certamente andará pela fé quanto ao passado, mas pelas obras quanto ao futuro – e isto lhe será fatal.
A verdadeira fé em Jesus recebe a vida eterna, e vê a salvação. perfeita em Jesus, cujo sacrifício único santificou o povo de Deus uma vez por todas. Sentir-se salvo, completamente salvo em Cristo Jesus, não é, como alguns supõem, fonte de segurança carnal e coisa adversa ao zelo santo, mas exatamente o inverso. Livre do medo que faz com que salvar o seu ser seja um objetivo mais urgente do que salvar-se de si mesmo, e movido por santa gratidão para com o seu Redentor, o regenerado torna-se capaz de desenvolver vida virtuosa, e se enche de entusiasmo pela glória de Deus. Enquanto fica a temer sob o senso de insegurança o homem aplica seu pensamento mormente a coisas do seu interesse pessoal. Mas, uma vez arraigado firmemente na Rocha eterna, tem tempo e vontade de cantar a nova canção que o Senhor colocou em seus lábios, e então se completa a sua salvação moral, pois o seu ego não é mais do seu ser. Não descansem nem se contentem enquanto não virem nos seus convertidos clara evidência de uma simples, sincera e resoluta fé no Senhor Jesus.
Juntamente com uma fé total era Jesus Cristo, é preciso haver um real arrependimento do pecado. Arrependimento é uma palavra antiquada, não muito usada pelos avivalistas modernos. 'Ora", disse-me um dia um ministro, "significa apenas uma mudança ocorrida na mente." Parecia uma observação profunda. "Apenas uma mudança ocorrida na mente"; mas que mudança! Mudança ocorrida na mente com relação a tudo! Em vez de dizer: "É apenas uma mudança ocorrida na mente", parece-me que seria mais legítimo dizer que é uma grande e profunda mudança – de fato a mudança da própria mente. Seja, porém, qual for o sentido da palavra grega, o arrependimento não é coisa de somenos importância. Vocês não encontrarão melhor definição dele do que a que nos é dada neste hino para crianças:
Arrepender-se é deixar
pecados antes amados,
e mostrar grande pesar
não os praticando mais.
Em todos os homens, a verdadeira conversão vem acompanhada do sentimento de pecado, de que falamos sob o título de convicção; da tristeza pelo pecado, ou seja, do santo pesar por tê-lo cometido; do ódio ao pecado, que prova que o seu domínio terminou; e da fuga prática do pecado, que mostra que a vida no interior da alma influi na vida interior. Fé verdadeira e arrependimento verdadeira são gêmeos; seria ocioso tentar dizer qual nasce primeiro. Quando uma roda se move, todos os seus raios se movem juntos; assim, todas as graças começam a agir quando o Espírito Santo opera a regeneração. Contudo, o arrependimento é absolutamente necessário, Nenhum pecador olha para o Salvador com os olhos enxutos e com o coração empedernido. Portanto, procurem quebrantar os corações, levar as consciências a se convencerem da culpa, e afastar as mentes do pecado, e não se dêem por satisfeitos enquanto toda a mente não estiver profunda e vitalmente transforma com relação ao pecado,
Outra prova de que se conseguiu a conquista de uma alma para Cristo se vê na verdadeira mudança de vida. Se o homem não vive diferentemente de como vivia antes, em casa e fora, terá que se arrepender do seu arrependimento, e sua conversão é falsa. E não só o modo de agir e o linguajar devem mudar, mas também o espírito e o temperamento. "Mas", dirá alguém, "a graça tantas vezes é enxertada em rude planta silvestre." Sei disso, Mas, qual é o fruto do enxerto? Será semelhante ao enxerto, e não da natureza do tronco original.
Outro poderá dizer: "Tenho um gênio terrível que quando menos espero me domina. Logo minha fúria passa, e me arrependo muito, Embora não consiga controlar-me, estou inteiramente seguro de que sou cristão". Não vá tão depressa, amigo, ou talvez eu lhe responda que estou inteiramente seguro do contrário. De que serve que você se esfrie logo, se em poucos momentos estará pegando fogo e chamuscando a todos os que estiverem ao seu redor? Se um homem me apunhala enfurecido, não me sarará a ferida vê-lo lamentar sua loucura. O temperamento violento deve ser dominado, e o homem em sua totalidade deve ser transformado, caso contrário, a sua conversão será posta em dúvida. Não devemos manter uma santidade à nossa moda diante dos ouvintes, e dizer-lhes: Tudo estará bem com vocês, se atingirem este padrão, A Escritura diz: "Todo o que comete pecado procede do diabo". Permanecer sob o domínio de qualquer pecado conhecido é sinal de que somos escravos do pecado, porque "sois servos daquele a quem obedeceis".
Em vão se gaba o homem que abriga no íntimo o amor a qualquer forma de transgressão. Sinta o que sentir e creia no que crer, estará ainda em fel de amargura e nos laços da iniqüidade, enquanto um só pecado domina o seu coração e a sua vida, A verdadeira regeneração implanta no homem aversão a todo pecado. E ter complacência por um só pecado, é evidente que desfaz toda segura esperança. Ninguém precisa tomar uma dúzia de venenos para matar-se; basta um.
É necessário haver harmonia entre a vida e a profissão de fé. O cristão professa renunciar ao pecado; se não o faz, chamar-se cristão já é um embuste. Um dia um bêbedo aproximou-se de Rowland Hill e lhe disse : "Senhor Hill, sou um dos seus convertidos". "Meu pode ser", replicou aquele perspicaz e sensato pregador; "mas não do Senhor, pois se fosse, não estaria bêbedo," Devemos dirigir toda a nossa obra a essa prova prática.
É preciso que vejamos também, nos que se convertem por nosso intermédio, verdadeira oração, que é o sopro vital da vida piedosa. Se não há oração, podem estar certos de que a alma está morta, Não temos que insistir com os homens que orem como se este fosse o grande dever imposto pelo Evangelho e o único caminho prescrito para a salvação, pois a nossa mensagem principal é: "Crê no Senhor Jesus Cristo". É fácil colocar a oração em lugar errado, e fazer dela uma espécie de obra pela qual os homens devam viver. Confio em que vocês farão todo o possível para evitar isso. A fé é o grande dom do Evangelho. Contudo, não podemos esquecer que a fé verdadeira sempre leva o crente a orar. Quando alguém professa a fé no senhor Jesus e não clama diariamente a Ele, não nos atrevemos a crer em sua fé ou em sua conversão. A prova usada pelo Espírito Santo para convencer Ananias da conversão de Paulo não foi: "Pois ele está proclamando em alta voz a sua alegria e as suas emoções", mas: "Pois ele está orando", e aquela oração foi súplica e confissão ardente e repassada de pungente contrição. Oxalá pudéssemos ver esta prova segura em todos aqueles que se apresentam como convertidos!
Deve existir também disposição para obedecer ao Senhor em todos os Seus mandamentos. É vergonhoso que um homem professe o discipulado e contudo se recuse a conhecer a vontade do seu Senhor em certos pontos, ou se atreva a negar-lhe obediência quando conhece a vontade divina. Como pode alguém ser discípulo de Cristo, se vive em franca desobediência a Ele?
Se o convertido professe declara definida e deliberadamente que conhece a vontade de seu Senhor, mas não tem intenção de cumpri-la, não fomentem a sua presunção. Cumpram o seu dever de afirmar-lhe que não está salvo. Não disse o Senhor: "Qualquer que não tomar a sua cruz, e vier após mim, não pode ser meu discípulo"? Erros acerca do conhecimento da vontade do Senhor deverão ser corrigidos com brandura, mas tudo que se assemelhe à desobediência voluntária é fatal; tolerá-lo seria trair Aquele que nos enviou. Jesus deve ser recebido como Rei, além de Sacerdote, E quem vacila sobre este ponto, não está firmado no fundamento da vida piedosa.
A vera fé obedece ao Criador,
embora confiante em Sua bondade;
o Deus da graça é Deus perdoador,
mas tem zelo da Sua santidade.
Portanto, irmãos, vocês vêem que os sinais que provam que uma alma foi ganha para Cristo não são nada insignificantes, e a obra que se deve fazer antes de que esses sinais possam vir a existir não deve ser tratada superficialmente. Sem Deus, o conquistador de almas nada pode fazer. Precisa lançar-se aos pés do invisível, ou será objeto de riso do diabo, que olha com desdém para todos os que pensam subjugar a natureza humana com simples palavras e argumentos. A todos os que esperam obter sucesso nesse trabalho por suas próprias forças, gostaríamos de dirigir as palavras ditas pelo Senhor a Jó: "Poderás pescar com anzol o leviatã, ou ligarás a sua língua com a corda? Brincarás com ele, como se fora um passarinho, ou o prenderás para tuas meninas? Põe a tua mão sobre ele, lembra-te da peleja, e nunca mais tal intentarás, Eis que a sua esperança falhará: porventura nenhum à sua vista será derribado?" Depender de Deus é nossa força e nossa alegria; nesta dependência vamos avante, e procuremos ganhar almas para Ele,
Ora, no curso do nosso ministério, sofreremos muitos fracassos neste trabalho de conquistar almas. Há muitos pássaros que julguei ter apanhado; cheguei a salpicá-los com sal para que não fugissem, mas saíram voando afinal. Lembro-me de um homem, a quem chamarei João Lambão. Era o terror do povoado em que vivia. Houve muitos incêndios na região, e o povo culpou esse homem da maioria deles. Às vezes se embebedava durante duas ou três semanas seguidas, e depois se enfurecia e esbravejava como louco. Aquele homem veio ouvir-me. Ainda lembro a sensação que percorreu o pequeno templo quando ele entrou. Sentou-se, e minha pessoa o cativou. Acho que esse foi o único tipo de conversão que experimentou, mas confessou-se convertido, Aparentemente passara por genuíno arrependimento, e exteriormente mostrou grande mudança de caráter. Deixou de beber e de blasfemar, e em muitos aspectos veio a ser um indivíduo exemplar.
Recordo-me de tê-lo visto uma vez rebocando uma barcaça com cerca de cem pessoas a bordo, gente que ele estava levando a um local onde eu ia pregar. E se gloriava no trabalho, cantando alegre e feliz como os demais. Se alguém dizia uma palavra contra o Senhor ou contra o Seu servo, sem hesitar um momento, ele o derrubava a socos. Ainda antes de sair desse distrito, eu temia que não se tivesse operado nele uma verdadeira obra da graça; era um homem selvagem. Contaram-me que pegava uma ave, depenava-a e a comia crua no campo. Um cristão não age assim, e coisas como essas não são agradáveis nem dão boa reputação.
Depois que me retirei daquelas vizinhanças, perguntei por ele, e o que ouvi não foi nada bom. O espírito que havia mantido sua aparência de homem reto desaparecera, e se tornou pior que antes, se isso é passível. O certo é que não melhorou, e não havia meio algum de fazê-lo melhorar. A obra que eu tinha realizado não resistiu à prova do fogo.
Como vêem, depois que foi embora a pessoa que exercia influência sobre aquele homem, este mão suportou a mais simples tentação. Quando vocês saírem de uma vila ou cidade onde estiverem pregando, é provável que alguns que corriam bem, voltem atrás. Sentiam afeição por vocês, e suas palavras exerciam sobre eles uma espécie de influência magnética, e quando vocês se retiram o cão volta a seu próprio vômito, e a porca lavada volta a revolver-se na lama. Não se apressem a contar os supostos convertidos, nem a introduzi-los na igreja. Não fiquem orgulhosos com o entusiasmo por eles manifestado, se esse entusiasmo não vem acompanhado de suavidade e ternura que mostrem que o Espírito Santo agiu de fato neles.
Lembro outro caso completamente diverso. É de uma pessoa a quem darei o nome de Maria Oca, pois era uma jovem dotada de pouca inteligência. Mas, como vivia na mesma casa com várias jovens cristãs, também se professou convertida. Quando conversei com ela, parecia ter todas as qualidades que se poderiam desejar. Pensei em apresentá-la à igreja; julgou-se conveniente, porém, submetê-la à prova por algum tempo. Não muito depois, ela deixou as companheiras com as quais vivia e foi para um lugar onde não poderia ter muita ajuda. Nunca mais soube dela, exceto que passava o tempo todo ocupada em vestir-se com elegância e freqüentar a sociedade de vida alegre, Trata-se de um caso típico de pessoa que não tem muito equipamento mental; e se a graça de Deus mão toma posse do espaço vazio, ela logo retorna ao mundo.
Conheci também vários rapazes parecidos com um a quem chamarei Carlos Vivaldino. Sujeitos dotados de invulgar capacidade para toda e qualquer obra, foram bastante vivos para fingir-se religiosos quando resolveram dedicar-se à religião. Oravam fluentemente; puseram-se a pregar, e se saíram bem; faziam tudo que queriam de improviso, e com a mesma facilidade com que cumprimentavam alguém. Não tenham pressa de introduzir pessoas dessa espécie na igreja. Não conheceram a humilhação por causa do pecado, nem quebrantamento do coração, nem qualquer experiência da graça divina. Bradam: "Tudo em paz!" Mas vocês verão que eles jamais lhes compensarão por seu trabalho e preocupação por eles. Serão capazes de usar a linguagem do povo de Deus tão bem como o melhor dos santos do Senhor; até falarão de suas dúvidas e temores, e em cinco minutos obtêm uma experiência profunda. São sabidos demais, e já se sabe que causarão grande dano quando forem aceitos como membros da igreja, Portanto, façam o possível para mantê-los fora dela,
Recordo-me de um que falava como santarrão. Chamo-lhe Fernando Belcanto. Com que astúcia agia hipocritamente, intrometendo-se entre os nossos jovens e levando-os a toda sorte de pecado e iniqüidade! Com tudo isso, costumava visitar-me e manter meia hora de conversação espiritual comigo! Esse canalha abominável vivia descaradamente em pecado ao mesmo tempo que procurava aproximar-se da mesa do Senhor e unir-se às nossas sociedades internas, mostrando-se ansioso para estar na vanguarda de toda boa obra. Cautela, irmãos! Virão a vocês com dinheiro nas mãos como o peixe de Pedro com a moeda na boca; serão tão úteis à obra! Falam tão suavemente e são do perfeitos cavalheiros! Sim, acho que Judas era um homem exatamente dessa espécie, bastante vivo para enganar os que o cercavam.
Cuidemos para não introduzir nenhum tipo desses na igreja, se de algum modo pudermos mantê-los fora. Pode ser que no fim do culto vocês digam a si próprios: "Eis aí uma esplêndida pescaria!" Esperem um pouco! Lembrem-se das palavras do nosso Salvador:
"O reino dos céus é semelhante a uma rede lançada ao mar, e que apanha toda qualidade de peixes. E, estando cheia, a puxam para a praia; e, assentando-se, apanham para os cestos os bons; os ruins, porém, lançam fora".
Não contém os peixes antes de estarem eles na frigideira; e não contem os convertidos antes de os examinarem e de submetê-los à prova. Este processo talvez torne um tanto lento o seu trabalho; mas será mais seguro, irmãos. Façam o seu trabalho bem feito e com solidez, para que os seus sucessores não tenham que dizer que lhes custou mais trabalho limpar a igreja daqueles que nunca deviam ter sido admitidos, do que a vocês admiti-los.
Se Deus lhes permitir acrescentar três mi tijolos no Seu templo espiritual num só dia, façam-no. Mas, até hoje, Pedro foi o único pedreiro que realizou tamanha proeza! Não pintem a parede de madeira como se fosse de pedra sólida; seja, porém, toda a sua construção autêntica, substancial e fiel, pois somente serviço desta classe vale a pena fazer. Que todo o seu trabalho de edificação para Deus seja como o do apóstolo Paulo, que pôde dizer:

"Segundo a graça de Deus que me foi dada, pus eu, como sábio arquiteto, o fundamento, e outro edifica sobre ele; mas veja cada um como edifica sobre ele. Porque ninguém pode pôr outro fundamento, além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo. E, se alguém sobre este fundamento formar um edifício de outro, prata, pedras preciosas, madeira, feno, palha, a obra de cada um  se manifestará: na verdade o dia a declarará, porque pelo fogo será descoberta; e o fogo provará qual seja a obra de cada um. Se a obra que alguém edificou nessa parte permanecer, esse receberá galardão. Se a obra de alguém se queimar, sofrerá detrimento ; mas o tal será salvo, todavia como pelo fogo". 


Tirado do livro O QUE É CONQUISTAR UMA ALMA
 idealizado por C. H. Spurgeon

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